Fred Sandback
Fred Sandback
Sobre
Na unidade das coisas
Em 1966, me vi envolvido em uma espécie de composição com peças díspares de materiais industriais, conectadas em séries. A relação monótona entre as partes não continha grande energia ou convicção. Em resposta às minhas queixas sobre a escultura em geral, e sobre a incoerência das minhas em particular, George Sugarman disse algo como, ‘Bem, se você está tão insatisfeito com as partes todas, por que simplesmente não faz uma linha com um fio e resolve isso de uma vez?1
Fred Sandback tinha 23 anos em 1966. Foi então que fez, em seu estúdio na Universidade de Yale, os primeiros experimentos com linhas, que definiriam sua prática pelos 37 anos seguintes.
A primeira construção madura de Sandback com linha delineava um sólido retangular, semelhante a uma viga de tamanho padrão, de 2 polegadas por 4, posicionada no chão. Ele chegou ao formato evitando convenções que considerava supérfluas e dispensando atributos intrinsecamente associados à escultura, como massa e peso, num processo de eliminação. “Foi um ato casual, mas pareceu abrir muitas possibilidades para mim. Eu podia definir um certo lugar ou volume em sua materialidade plena, sem ocupá-lo e sem obscurecê-lo.”2 Essa forma de trabalhar oferecia uma maneira de abordar questões da escultura sem a carga incômoda dos materiais, e de envolver o espaço sem a performatividade da dança ou do teatro. Embora demarquem os espaços que habitam, suas obras os deixam, paradoxal e simultaneamente, intactos e transformados.
Ao longo de sua notável carreira, Sandback utilizou a linha no espaço para construir, articular e definir situações, no intuito de estimular no observador uma experiência de múltiplas camadas. Toda a sua obra escultórica se constrói a partir de uma linha esticada – um cabo de aço, um cordão elástico ou um fio acrílico – de um ponto até outro.
No início de seu percurso, Sandback havia criado configurações espaciais com cabos de aço e cordões elásticos. Por volta de 1973, os fios de lã acrílica tornaram-se seu material favorito, por oferecer elasticidade e resiliência suficientes, além de uma gama de cores. As obras eram cuidadosamente calibradas a fim de explorar “a tensão entre a aparente bidimensionalidade do espaço óptico e a tridimensionalidade tátil do espaço habitual.”3 Assim, elas atuam tanto dentro quanto entre essas dimensões, embora também contenham conotações de tempo, já que parecem transmutar-se, de forma contínua mas sutil, quando percebidas a partir de diferentes pontos de vista. A linha tornou-se o meio pelo qual desenho e escultura operam ao mesmo tempo.
Mais tarde, as obras de Sandback ganhariam complexidade em termos de formato e articulação, continuando a desafiar cada vez mais suposições sobre o que constitui a linguagem escultórica. O artista estimulava o observador a repensar conexões entre forma, materialidade, processo, espaço e tempo. Às vezes, evocando a dimensão temporal, uma mesma obra se manifestava sequencialmente em múltiplas iterações. Numa espécie de coreografia baseada em um conjunto fixo de regras, o fio de lã era reconfigurado em um determinado leiaute, para depois voltar ao seu estado bruto, e se reconfigurar então numa nova estrutura, e assim por diante.
Acho que essa situação me atraiu inicialmente por me permitir jogar com algo que existe e não existe ao mesmo tempo. A coisa em si… era tão material quanto podia ser: um volume de ar e luz acima da superfície do chão. No entanto, a formatação que eu fazia daquilo, a forma e a dimensão daquela figura, tinham uma qualidade ambígua e transitória. Também era engraçada; tinha uma qualidade anedótica, do tipo “primeiro há uma montanha, depois não mais, depois há de novo…”, só que ao contrário.4
Sandback faz referência aqui à canção “There Is a Mountain”, do compositor inglês Donovan, de 1967. A letra remete a um texto do mestre zen Qingyuan Weixin, do século 9, traduzido por D.T. Suzuki no livro Ensaios sobre zen budismo, um dos primeiros a difundir o budismo no Ocidente. “Quando comecei a estudar o zen, as montanhas eram montanhas; quando achei que havia entendido o zen, as montanhas deixaram de ser montanhas; mas quando cheguei a um conhecimento pleno do zen, as montanhas voltaram a ser montanhas.”5 Suzuki explica que, para quem estuda o zen, a percepção inicial das montanhas como entidades autônomas se transforma conforme elas se “dissolvem na unidade das coisas”, ou seja, são reconhecidas como parte da natureza, e não algo separado de nós. Essa compreensão permite que voltem a ser vistas como montanhas.
Diante das esculturas de Sandback, nossa experiência cognitiva passa por estágios parecidos. Num primeiro momento, o fio de lã é uma linha; então, uma escultura; aí a obra se afasta para revelar o contexto. Talvez se percebam primeiro suas qualidades representacionais, seus planos pictóricos e a forma como cria a ilusão de espaços e volumes pairando no espaço. Muitas vezes desenhando um plano ou volume geométrico, essas esculturas habitam uma sala com uma presença discreta e reverente, quase como se não estivessem inteiramente confortáveis ali. Não só permitem olhar para o espaço onde estão, como o trazem assertivamente para o primeiro plano.
Quando abordamos essas obras, nosso foco se alterna entre o óptico e o tátil, conforme cresce nossa percepção da materialidade das linhas. A atenção se volta para a fisicalidade colorida e felpuda do fio de lã, a tensão manifesta mas discreta de sua elasticidade, seus pontos de contato com a parede e o chão, sua relação com os eixos arquitetônicos. Movendo-nos em volta e através dela, descobrimos que a percepção do espaço se altera. Conforme perambulamos, notamos como o espaço absorve os fios e é transformado por eles. Há um ponto em que nossa percepção abarca o todo: sala, espaço e fios se fundem em uma obra de arte integrada. “A totalidade da situação, eis aonde quero chegar. Minhas intervenções são geralmente modestas, talvez porque o interessante seja o momento em que as coisas começam a se fundir.”6
Ao aguçar a consciência das estruturas cambiantes que nos cercam, a obra de Sandback gera deslocamento e recolocação. Nosso corpo adota a função referencial de coordenada em relação a fios, teto, parede e chão. Diante da obra, nos percebemos e podemos nos experimentar como parte dela. Ao criar generosamente um lugar para o observador, a obra flexiona a nossa condição de estar no mundo. “A extrema reticência da obra de Sandback não é algo que eu sinta como ato de retenção, mas sim de extraordinária generosidade”, observa a artista Andrea Fraser. “Ao se retirar a esse ponto, ele cria um lugar para mim. Não na frente, ao lado, ou dentro de sua obra… Ele cria um lugar para mim no interior da instituição em que a obra se encontra.”7
A obra de Sandback acentua nossa experiência material, psicológica e espiritual do aqui e agora, conferindo vida ao nosso entorno. Ao mesmo tempo, nossa existência se reafirma quando compartilhamos o espaço da obra de arte. Somos presenças bem-vindas em sua obra.
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Esta exposição explora o espectro da obra de Sandback, os modos como dialoga com a arquitetura e as diversas estratégias criadas pelo artista, gerando notável vibração a partir de um toque levíssimo. Também nos dá oportunidade de observar como usa a cor para “tornar a peça mais recessiva ou agressiva, mais ruidosa ou mais suave, mais quente ou mais frágil – e equilibrar as relações que obras diversas têm ao coexistir entre si e com um ambiente em particular.”8 A cor é escolhida para enfatizar propriedades que ampliam a experiência sensorial. Como Briony Fer sugeriu, Sandback funde a dicotomia entre gráfico e cromático ao apresentar a cor como linha e a linha como cor.9
A paleta de Sandback se limita às cores de lã comuns, encontradas no comércio. Ao adotar materiais industrializados e a repetição seriada de formas geométricas do minimalismo, vai além das convenções da pintura e da escultura. Essa influência pode ser vista na busca de uma arte desprovida de narrativas e no compromisso de desenvolver uma linguagem escultórica que ocupa e incorpora o espaço envolvente.
Em Sandback, a aspiração do minimalismo de desfazer a distinção entre espaços da arte e da vida, dispensando barreiras entre obra e observador, se mistura à ideia de um lugar não-hierárquico, compartilhado com o observador, que o artista denominou “espaço pedestre”. Ele a levou adiante ao despojar a escultura de sua corporalidade opaca. Como observou Rodrigo Naves, sua obra cria um espaço tão comum quanto diferenciado, capaz de oferecer uma multiplicidade de condições (pela delimitação, o desequilíbrio e a pontuação) dentro dos espaços mundanos que ocupa.10
Além da materialidade do fio, da trajetória da linha entre dois pontos, da geometria que demarca e do todo sugerido nesse remapeamento contextual, Sandback nos dá a possibilidade de uma compreensão experiencial única de como funciona nossa própria percepção.